
Pílulas para ler Manuel Bandeira
Pernambucano, professor, poeta, cronista, crítico e historiador literário. Muita
gente conhece o lado biográfico de Manuel Bandeira, um dos escritores
consagrados da nossa literatura. Ele é figurinha fácil nas aulas de Literatura
Brasileira nos colégios, já foi homenageado pela Festa Literária Internacional de
Paraty (FLIP) e se tornou sinônimo de poesia no imaginário popular.
Bandeira não foge, entretanto, do destino da maioria dos escritores que entram
para o cânone literário: se tornam populares e têm seus mais famosos versos
conhecidos pelo público, apesar de não necessariamente terem seus livros lidos
corriqueiramente.
O SaraivaConteúdo aproveitou o ensejo da reedição das obras de Bandeira que
estão sendo publicadas entre o final deste ano e início do próximo, e consultou o
professor de Literatura Brasileira da USP, Ariovaldo Vidal. Ele deu algumas dicas
sobre cada obra para inspirar os leitores e facilitar o caminho até o livro que
mais combina com cada perfil.
Se você é do tipo de leitor que se assusta à primeira vista com poesia, acha difícil
de compreender e interpretar, esse pode ser um bom caminho para iniciar sua
leitura, como explica Ariovaldo. “De todos os grandes poetas brasileiros, é o mais
simples, o mais descarnado. Mas sua simplicidade contém sempre um drama
pungente de vida e, por isso, ela se torna complexa. Toda grande poesia tende a
negar os excessos. E Bandeira era mestre no assunto”.
Para aqueles que não estão muito familiarizados com a obra do escritor
pernambucano, Ariovaldo também comentou sobre os temas recorrentes nas
obras de Bandeira. “Antes de tudo, o amor pelo que é belo, delicado, frágil: todos
os pequenos seres da vida (o passarinho, o orvalho, o porquinho-da-índia...). O
amor pelas crianças, mas também o amor pela mulher (e seu corpo, fonte da
vida). Amor pelos que sofrem e têm de suportar o peso da existência”.
Feita a preparação inicial, acompanhe as características de cada livro, as dicas de
Ariovaldo e boa leitura:
A cinza das horas (1917)*
Destaque: é o início do percurso, seu primeiro livro. Marcado pela poesia ainda
ao jeito do século 20, com influência do Romantismo e Simbolismo.
“Vários poemas desse livro já são mais depurados ou têm algo de prosaico,
cotidiano – Epígrafe, Ruço, Cartas de meu avô, O inútil luar, Poemeto erótico,
Oceano –; e há também poemas que retomam formas e imagens da lírica antiga
ou fazem homenagens a grandes poetas (Camões, Ronsard)”.
Carnaval (1919)*
Destaque: é nesse livro que aparece o famoso poema Os sapos, que foi lido na
Semana de Arte Moderna, em 1922.
“Ainda não é um livro ‘moderno’, mas já é bem diferente do anterior. O carnaval
do livro é triste, tematizando os amores (infelizes) de Pierrot, Colombina e
Arlequim (o Eu-lírico é bem mais Pierrot). Mas os versos já tendem a ser curtos,
enxutos –A rosa, por exemplo”.
O ritmo dissoluto (1924)*
Destaque: Traz vários poemas em versos livres e longos, próximos da prosa, que
anunciam também a dicção que virá nos livros posteriores de forma recorrente.
É já a incorporação do cotidiano à sua poesia.
“É um livro de passagem na obra do autor, com poemas ecoando ainda os temas
e estilo do primeiro livro, mas contrabalançados já por uma nova dicção, em
versos delicados como os de O menino doente, ou livres e leves como os de Os
sinos.”
Estrela da manhã (1936)
Destaque: estão nesse livro alguns dos poemas mais conhecidos do autor, como
Balada das três mulheres do sabonete Araxá, Poema do beco, Momento num café,
Rondó dos cavalinhos.
“Um grupo de livros importantes será publicado até o início da década de 60,
começando por esse. Aqui, vários poemas em versos curtos, alternando formas
metrificadas com versos livres. O livro se abre pelo poema que dá nome ao
volume. Nele e em outros, a recorrência do símbolo central para a poesia de
Bandeira – a estrela. Mas volta também outro símbolo fundamental – o mar (ou
oceano). Estrela e mar falam, na chave do símbolo, de um tema central para o
autor, o amor na sua dimensão erótica: Estrela da manhã, Canção das duas Índias,
Cantiga, D. Janaína, A estrela e o anjo.
Lira do cinquenta anos (1940)*
Destaque: Também nesse livro, alguns de seus melhores poemas: O martelo,
Maçã, Canção da Parada do Lucas, Última canção do beco, Testamento e outros.
Vários dos poemas trazem matéria de memória, como Peregrinação, Velha
chácara. Exemplos de alumbramento: A estrela, Eu vi uma rosa.
Belo, belo (1948)*
Destaque: vários poemas dedicados a amigos, alguns tematizando a vida política
e social como No vosso e em meu coração, O bicho.
Alguns poemas importantes do livro são Poema só para Jaime Ovalle, Tema e
voltas, A Mário de Andrade ausente, O lutador, Unidade, Arte de amar.
Mafuá do malungo (1948)*
Destaque: a tradução do título (de língua africana) é algo como “feira ou parque
de diversões do amigo ou camarada”. Foi publicado por João Cabral de Melo
Neto, numa prensa que ele mantinha para fazer edições artesanais de livros de
conhecidos.
“O livro traz o subtítulo Versos de circunstância, querendo dizer que são
pequenos poemas escritos por ocasião de algum acontecimento, ou mesmo como
elogio de alguma figura querida. São ‘versos sociais, de álbum, de cortesia’, como
diz a epígrafe de Alfonso Reyes, numa das edições. E a primeira quadra (muitos
poemas são quadrinhas) é dedicada ao próprio João Cabral, em agradecimento
pela edição do livro. Na primeira seção, os Jogos onomásticos geralmente trazem
um trocadilho com o nome do homenageado. As outras seções são também
homenagens, agradecimentos, reclamações públicas, cartas ao prefeito etc. Mais
importante do que cada poema, sempre saborosos, é o sentido que o livro tem
como testemunho de uma vida identificada com a poesia, e identificada pela
poesia”.
Opus 10 (1952)*
Destaque: Neste livro podem ser encontrados os temas recorrentes da obra: a
convivência com a morte, por exemplo. E há também um singelo “retrato” de
Drummond.
“Entre os melhores poemas do livro, variando do soneto ao verso livre, Boi
morto, Noturno do Morro do Encanto, Consoada, Lua nova, Oração para aviadores.
Itinerário de Pasárgada (1954)
Destaque: para quem gosta de dados biográficos, esse é livro. Traz ainda o
conhecido Vou-me embora pra Pasárgada. Nele, Bandeira narra sua formação,
suas influências, seu aprendizado da poesia e, sobretudo, o sentido que a poesia
tinha para ele. É o símbolo de evasão, de “toda a vida que podia ter sido e que
não foi”, como em seu verso famoso, Pasárgada acabou se tornando uma
identificação do itinerário da própria vida do poeta.
“Além de poeta, Manuel Bandeira foi também grande tradutor (de poemas, peças,
romances) e prosador, autor de vários volumes de crônicas, história e crítica
literárias. Na década de 50, instado por amigos, escreve sua autobiografia
intelectual, Itinerário de Pasárgada, livro magro como era de seu feitio, mas dos
mais importantes no gênero. Dos livros mais importantes não só para conhecer
sua poesia, mas para conhecer poesia”.
Estrela da tarde (1963)
Destaque: A velhice é tema presente na obra, às vezes em poemas consoladores,
às vezes amargos. Tem também várias homenagens, retratos de amigos.
“É uma obra avançada de sua trajetória, em que a presença da noite vem
anunciada. Interessante a comparação entre dois poemas do livro – Satélite e A
lua –, a fim de perceber diferentes formas de tratamento de um mesmo motivo
dentro da obra. Dos livros de Bandeira, talvez seja esse o mais complicado em
termos de estabelecimento de texto, devido às mudanças sofridas.
Leitura também para os pequenos e jovens leitores
Crônicas para jovens
Destaque: o livro reúne 21 crônicas agrupadas em cinco temas: Memória, Gente
Humilde, Reverências, Incômodos do Poeta e Política.
“São pequenos ensaios, temas da cultura e da arte, lembranças da infância e da
adolescência, confidências, perfis importantes ou da gente simples com quem
conviveu, reações a situações, principalmente as incômodas, que o fato de ser
escritor lhe impunha. Em sua crônica, os conhecimentos de maior grandeza e
mesmo os mais insignificantes assumem uma dimensão lírica”.
Os sinos
Destaque: o poeta trabalha a sonoridade e o ritmo das palavras e transforma o
significado das coisas mais simples do cotidiano em lirismo de alta qualidade
literária.
“Esta edição ilustrada traz aos pequenos leitores este poema que, mesmo com
seus múltiplos significados, é acessível ao público infantil, graças à forma criativa
com que o autor se apropria dos signos linguísticos por meio de recursos como a
repetição de palavras, que evoca os sons das badaladas, o balançar dos sinos
como uma música nostálgica e mágica”.
A aranha e outros bichos*
Destaque: fica por conta da mistura entre realidade e imaginação, que é sempre
interessante aos pequenos.
"Neste livro Bandeira fala das lembranças da infância e a esperança no futuro. As
coisas da vida real e as que só existem em sonho, como aquela cidade mágica,
Pasárgada, onde um homem simples podia ser amigo do rei. Cabem os homens
todos e os bichos todos também”
* Livros que serão lançados entre o final de 2012 e início de 2013
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