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[FLIP] Paulo Scott, um poeta em pele de prosador

Narelle é a nova paixão de Paulo Scott. Ela é uma das protagonistas de Íthaca
Road, o novo livro do escritor gaúcho, e já despertou amores alheios também. “Já
me escreveram um e-mail contando que estavam encantados com ela”, contou
achando graça.

Encontrei com Scott numa dessas casas antigas com paredes de pedras comuns
em Paraty, numa manhã ensolarada que antecedia sua participação na mesa
"Formas da derrota", na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty). À tarde,
na Tenda dos Autores, ele viria a revelar que enquanto escrevia Ithaca Road,
chegou a chamar sua mulher, Morgana, pelo nome da protagonista, Narelle.

Esse encantamento não é à toa. O enredo de Íthaca Road remete à ideia da ilha
contado na Odisséia, de Homero, que narra a viagem de retorno de Ulisses. A
história se passa na Austrália e faz parte do projeto “Amores Expressos”, em que
os escritores são enviados para determinados lugares e devem ambientar lá uma
história de amor. Scott define Narelle com uma Penélope moderna [aquela que
ficava esperando Ulisses voltar da viagem, enquanto tecia durante o dia e
desmanchava o bordado à noite].

A emancipação feminina e a questão do gênero são temas fortes na prosa de
Scott. “Em todos os meus livros há grandes mulheres, mulheres fortes. Acho que
é uma coisa bem edipiana. Eu sou fascinado pelo modo natural das mulheres”.
Antes de assumir o ofício de escritor, teve uma carreira jurídica consistente que
‘brigava’ diretamente com a poesia. Contou que na época em que fazia mestrado
em Direito Público e Econômico, se obrigou a parar de escrever poesia durante
um tempo. E acabou ficando meio doente. “A solidez do meu projeto literário
está muito calcada nisso. Eu sou muito fascinado e desejoso dessa familiaridade
do universo imediato da linguagem poética. Isso me imuniza, de certa forma.
Inclusive até pela expectativa de ter leitores”, revela.

Acompanhe mais da conversa:

Ithaca Road surgiu como uma encomenda e ainda tem a previsão de virar
filme. Como você lidou com essa experiência de um trabalho
encomendado?

Paulo Scott:
Esse livro veio de uma encomenda, mas não é uma encomenda que
determinou a história. Eu não acho nada de excepcional nisso. Teve um certo
período que eu tive que esquecer que era uma encomenda. Demorou um tempo,
alguns meses. O negócio é tentar esquecer um pouco que você deve uma obra a
alguém que tem uma expectativa de uma boa história. Talvez essa seja a grande
diferença. Quando você constrói um projeto seu, sem essa expectativa da
encomenda, talvez não seja tão importante você ter grandes respostas.

Habitante irreal (livro de 2011) levou seis anos para ser escrito e Íthaca
Road também saiu bem depois da sua viagem à Austrália. Como funciona
seu processo criativo?
Paulo Scott:
Eu acho que cada livro é um livro, cada processo é um processo. E
sempre vem aquela dúvida se de fato você tem capacidade de contar uma nova
história. Cada vez vai ficando mais difícil de contar, você vai ficando mais crítico.
É difícil escrever, é uma briga. Cada vez eu fico mais lento, mais crítico, cansado e
mais a fim de contar alguma coisa que valha realmente a pena. O
autoencantamento não funciona comigo. Eu prefiro desconfiar de mim mesmo.
Você costuma se declarar poeta, apesar do sucesso dos seus romances.

Como a poesia entrou na sua vida? Ela é a responsável por ter lançado a
fagulha de escritor?
Paulo Scott:
Eu venho de um bairro pobre, de uma família de classe média muito
trabalhadora e muito determinada. E nos 80, as amigas da minha mãe que
vinham de família rica, diziam: ‘Ah, você tem um filho poeta, que maravilhoso!’ E
minha mãe ficava preocupada: “Não, eu quero um filho juiz” [risos]. Por isso digo
que de onde eu venho, ser poeta dá um pouco de vergonha. Eu fiz poesia até os
18, 19 anos. E depois passei para a prosa. Queria escapar um pouco dessa
condição de poeta. No final das contas, o que fica, no contexto da arte, é a grande
poesia. Mas era um pouco de preconceito meu mesmo, uma certa vergonha de
saber que eu precisava trabalhar e me emancipar.

A crítica costuma te classificar como integrante da “nova safra de autores
brasileiros” ou ainda da “profícua geração sulista”. Te incomoda de algum
modo essas classificações?
Paulo Scott:
Não me incomoda. Acho que a classificação faz parte do modo do
ser humano pensar e facilitar as coisas pra si mesmo. Podem me guardar em
qualquer caixinha. Eu não me enquadro em caixinha nenhuma.

Há algum tipo de linguagem artística que você ainda tem interesse em
explorar?
Paulo Scott:
Eu já exploro, na verdade. Tenho um espetáculo chamado “A
timidez do monstro”. É um trabalho que mistura vídeo e música que faço com
meus amigos. Somos músicos frustrados [risos]. Mas eu meio que matei isso em
mim. Foi ganhando muito espaço e não tinha muito tempo para me dedicar. Eu
tenho outros sete projetos que fazem essa mistura, mas precisam de
investimento. E tem também um outro lado que você fica muito marcado, acaba
virando o palhaço do palco. É divertido, mas acaba ganhando mais espaço do que
os livros, entende?

O que podemos esperar de novo por aí?
Paulo Scott:
Tenho dois livros em desenvolvimento. Em “O ano em que vivi só da
literatura” eu faço uma pequena crítica a mim mesmo, a esse meio que me acolhe
como escritor. Tem também o “Marrom e Amarelo” que é uma história sobre eu e
meu irmão. Eu sou o ‘mais amarelo’ da família e ele é ‘mais marrom’. E tem ainda
Mesmo sem dinheiro comprei um skate novo, um livro de poesia já pronto. É o
relato engraçado de um dia em que passei numa loja e vi um skate novo da Loft.
Eu pensei: tenho cartão de crédito (com limites altos, ainda da minha fase de
advogado), vou comprar! E fiz disso, poesia. Gostaria de disponibilizá-lo de graça,
digitalmente. Vamos ver se consigo.